Tentação da Esperança
Águeda, 2017
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Águeda, 2017
Entre balanços do ano que passou e resoluções e objetivos de ano novo, habituais nesta quadra, procura-se inventar a existência de um qualquer sentido no absurdo. Tal com o escultor que procura a beleza da estátua no bloco de pedra bruta, vamos, martelada a martelada, desconstruindo o sem-sentido do que nos rodeia à procura da beleza do sentido da vida, que só existe no nosso imaginário. Pois, nunca esqueçamos, que para o Universo o bloco de pedra é apenas um bloco de pedra, não há nele qualquer estátua.
Neste Natal, uma memória há muito desaparecida surgiu inesperadamente e convocou-me para vidas anteriores e para caminhos antigos que divergiram algures no tempo para nunca mais se cruzarem. Como a nossa memória nos esconde tanto. O que somos é genética e a soma do que nos aconteceu, mas o que nos aconteceu é tão volátil e subtil. O passado só existe em nós, enquanto guardamos dele algum vestigio. “Quando eu morrer, nada do nosso amor terá alguma vez existido” escreveu Jean Dupuy, mas creio que se enganou, porque o amor deixa de alguma vez ter existido no momento em que um dos amantes o esquece.
O Homem não tem passado e não tem futuro. Do passado restam-nos apenas misteriosas ligações químicas entre neurónios, algo de misterioso, etéreo e fugaz a que chamamos memórias. O futuro, esse, não é nada, é só uma expetativa. A sabedoria suprema está em conseguir viver pelo o que acontece e não pelo o que aconteceu ou o que poderá acontecer. O instante é tudo o que nos resta. De resto, todo o passado e todo o futuro é imaginário.
Perguntas como me sinto. Vivo sem passado, sem futuro. Não pensar no que poderia ser o hoje, não sonhar o que será o amanhã. Não questionar porque não são as coisas diferentes. Não fazer planos. O que sinto é isto: não é alegria, não é tristeza, não é esperança, por vezes amor, por vezes desejo, e quase sempre coisa nenhuma. Mas, questiono, com o que sei sobre a natureza da vida humana: o que poderia ser diferente?
Proverb VII
To see a World in a grain of sand,
And a Heaven in a wild flower,
Hold Infinity in the palm of your hand,
And Eternity in an hour.
William Blake
O Tempo existe. Podemos dizer, recorrendo à desconstrução cartesiana, que sabemos que o tempo existe, porque existimos. O passo seguinte da premissa primordial do “Penso, logo existo”: existo, logo há Tempo. Sabemos que o Tempo é uma das dimensões do tecido de que o Universo foi construído: o espaço-tempo. O Tempo enquanto dimensão física é necessário para explicar a existência do mundo e as suas leis. Será o Tempo sempre igual, em todo o lado e a qualquer momento? Sabemos que não. O que havia antes de haver Tempo? Suspeito que nunca o saberemos.
Mas neste momento não é a metafísica do Tempo que me preocupa. Porque há um outro Tempo, o Tempo psicológico, aquele que existe em nós, o Tempo faz parte do tecido que constrói a nossa mente. E este Tempo não é o mesmo que o Tempo físico. É único para cada ser vivo. O Tempo da mente passa a velocidades diferentes em momentos diferentes. E certamente que será diferente para diferentes espécies aninais. Há animais efémeros que, no que para nós são apenas algumas horas, nascem, crescem, reproduzem-se, envelhecem e morrem: mas para esses animal, quanto Tempo viveu? Qual o Tempo que existiu para ele? E ao longo da nossa vida, será o nosso Tempo pessoal, sempre igual?
O Tempo não existe, o que existe são infinitas formas de Tempo. E constato que o Tempo da minha mente passa inexorável e cruel a uma velocidade assustadora. Como gostaria de conhecer o segredo para a fórmula de travar o meu tempo e viver o Infinito num momento. Porque o momento presente é realmente o único infinito que está ao nosso alcance.
Lisboa, 2017
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