Não nos podemos esquecer de construir as nossas memórias
A evolução da tecnologia permite-nos ter no nosso bolso um equipamento extremamente poderoso, com capacidade de acesso em mobilidade a uma fonte inesgotável de informação e de registar e partilhar, de imediato, tudo aquilo que fazemos, pensamos ou sentimos. É o smartphone, um artefacto com capacidades que apenas há algumas décadas nem nas mais clarividentes ficções futurísticas seriam imagináveis.
Fui recentemente a um concerto, em que as pessoas pagaram um bom preço para poderem estar presentes, um momento supostamente único e irrepetível. E é com espanto que se constata que muitas das pessoas presentes passam mais tempo a olhar para o seu smartphone do que a usufruir do momento. A consultar as últimas das suas redes sociais, a expor ao mundo o esplendor da sua vida, a trocar mensagens ou a filmar o palco, a maioria das pessoas não estava verdadeiramente focada em usufruir do momento. Dividiam a sua presença entre a realidade do que estava a acontecer no local, e certamente que fizeram um esforço assinalável para poder estar lá, e a pequena janela para o mundo virtual que representa o seu smartphone. Ainda há poucos anos os turistas japoneses eram a chacota do mundo por se deslocarem sempre com as suas máquinas fotográficas em punho a fotografar tudo o que lhes aparecia pela frente. Pois hoje parece que nos tornámos todos em turistas japoneses, e não só quando fazemos turismo mas no nosso dia-a-dia habitual.
Todos nós estamos ainda em fase de aprendizagem sobre o que devemos fazer, e não devemos fazer, com tanto poder ao nosso alcance. Somos como crianças com um brinquedo novo e sem supervisão parental. A tecnologia está a fazer nascer uma nova forma de viver, e navegamos por territórios para os quais ainda não existe mapa. O que faremos no futuro com a tecnologia está a ser definido pela nossa utilização dessa tecnologia hoje, a cada momento. E para essa definição do que queremos do futuro, não nos podemos esquecer que a vida acontece, por enquanto, no mundo real. E não creio que no seu leito de morte alguém vá um dia lamentar não ter passado mais tempo da sua vida nas redes sociais.