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rua do imaginário

Porque existe algo em vez do nada?

Porque existe algo em vez do nada?

rua do imaginário

06
Set21

O Fim

A Quinta do Fim, nome poético e bem imaginado pelo isolamento e tranquilidade que o local permite, fica perto da aldeia do Treixedo na margem direita do rio Dão. Rio que por estas paragens corre largo e pasmado, efeitos da barragem da Aguieira alguns quilómetros a jusante, com margens suaves e salpicado por ilhas formadas por rochas caoticamente amontoadas, como se a erosão e o tempo fossem mãos de um gigante a brincar com pedrinhas. A casa da quinta está entre o rio e o que em tempos foi a linha férrea que ligou Santa Comba Dão a Viseu, onde ainda se podem imaginar os comboios barulhentos e fumarentos que noutras épocas rasgavam a paisagem, mas onde há muito não se ouve o apito do comboio sobre o caminho de ferro, que agora foi transformado numa bucólica ecopista. Da velha estação ferroviária do Treixedo restam apenas as paredes que, ainda assim, são  as únicas guardiãs da memória de muitas despedidas e reencontros.

 

Do miradouro sobre o rio da antiga eira da casa da Quinta do Fim podem observar-se rebanhos a pastar nas férteis terras de aluvião das margens do rio, elegantes garças reais paradas na água pouco profunda ou no seu voo rasante com as asas a ficarem a milímetros da água num movimento suave e sem esforço, pares de corvos maravlhosamente negros, patos a nadar no seu jeito misterioso e tranquilo de se deslocarem sobre a água, e peixes que, de tempos a tempos, saltam para fora de água, como quem dá um mergulho, só que ao contrário. Até os pescadores, esses seres pacientes e comtemplativos, que esperam horas por algum peixe azarado destas aguas verdes, completam de forma harmoniosa a paisagem.

 

Águas verdes? Sim o paraíso, não é assim tão idílico. As águas do Dão estão nesta zona carregadas de algas, eutrofização provocada, suponho, por temperatura elevada e poluição das águas, quase parecendo ao longe que o rio é um relvado líquido. Ao fim do dia, trazidas sobre as águas pelo vento quente de sul, espumas brancas, de origem misteriosa, acumulam-se e oscilam nas margens para se desvanecerem durante a noite. A vegetação das margens está ainda profundamente marcada por vestígios de um enorme incêndio que em 2017 destroçou ambas as margens do rio, restando agora troncos queimados, cinzentos e mortos, mas teimosamente ainda de pé. Lentamente a vegetação verde vai crescendo, mas aquelas árvores mortas, esqueletos cor de asfalto a despontar por entre o novo verde, estão lá a recordar esta tragédia.

 

Na noites de céu limpo, na escuridão permitida pela reduzida poluição luminosa, vê-se o brilho de milhares de estrelas que nos chega de sóis distantes e, com paciência, consegue ver-se de vez em quando o risco efémero de estrelas cadentes a rasgar o céu. Meteoritos a desintegrarem-se na atmosfera terrestre, pedaços de rocha a terminarem definitivamente as suas viagens no espaço sideral de forma abrupta sim, mas luminosa. Estas estrelas cadentes maravilham por nos recordarem da imensidão do Universo, da fragilidade da nossa existência e conseguem, de uma forma inexplicável, melhor que qualquer templo, mostrar a forte conexão que existe dentro de cada um de nós com o Universo.

 

A Quinta do Fim foi e, talvez ainda seja, um paraíso. Mas os sinais estão lá, a lembrar-nos que o Homem não foi, afinal, explulso do paraíso, que está somente a destruir o paraíso onde lhe é permitido viver.

 

E que somos tão efémeros como o risco luminoso de uma estrela cadente. Saibamos ao menos ser tão belos.

 

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Rio Dão na Quinta do Fim

 

15
Jul21

“Esta é a tua Igreja”

 

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Gorongoza, 2009

 

No documentário “Mia Couto - Sou Autor do Meu Nome”, de Solveig Norlund, o escritor e biólogo moçambicano refere que quando em criança foi visitar a Gorongoza com o seu pai, e perante a imensidão e a grandiosidade da paisagem africana, este lhe dizia: “Esta é a tua Igreja”.

É de uma enorme sabedoria reconhecer que a Natureza, a vida em todo o seu esplendor, a improvável maravilha deste planeta, deva ser o nosso primeiro templo, o local onde pertencemos, onde somos humildes e onde devemos recordar e agradecer pelo mistério da nossa existência.

Escrevi em tempos sobre a ideia da utilidade da existência de templos para ateus.  Afinal, talvez seja mesmo este o templo, que deve unir de igual forma ateus e crentes, o que mais falta nos faz.

 

06
Jan21

A fluência das montanhas

As montanhas crescem, transformam-se, desaparecem, fluem. Até as montanhas são impermanentes, fluidas como rios. A imobibilidade das montanhas é uma ilusão: o tempo das montanhas não é o nosso.

 

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Serra da Estrela, Dezembro 2020

 

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