A humanidade e o imaginário
A questão sobre o que distingue o Homem dos restantes animais é bem mais subtil do que gostamos de pensar. Temos tendência a considerar-nos como diferentes, superiores, como se fossemos o objetivo último da natureza e não como algo mais que dela emanou e que a ela pertence, como todos os outros seres. Comportamo-nos vergonhosamente como o novo-rico que renega a família pobre. E mais, não só renegamos a família como tudo estamos a fazer para a destruir.
Somos seres da natureza, mas existe de facto uma diferença entre nós e os restantes animais. Não é a linguagem, há outras espécies capazes de comunicar de forma eficaz e complexa. A grande diferença reside na capacidade que o Homem adquiriu apenas há algumas dezenas de milhares de anos atrás, na denominada Revolução Cognitiva: a capacidade de criar ficções.
É essa capacidade de ficcionar, de criar conceitos que não têm correspondência com o real, que permite mobilizar o Homem em grupos superiores a algumas dezenas de indivíduos para tarefas de elevada complexidade e que exigem a colaboração entre indivíduos que não se conhecem e que, noutras circunstâncias, nunca confiariam uns nos outros. É a nossa capacidade, tanto quanto sabemos única entre os animais do nosso planeta, de pensar e acreditar em entidades que não existem que nos torna verdadeiramente diferentes.
Os mitos, os deuses, as religiões, as leis, a arte, os direitos humanos, a justiça e a injustiça, o dinheiro, as empresas, os grupos desportivos e as nações são tudo exemplos de entidades fictícias que são a infraestrutura da sociedade humana, que permitiu a colaboração entre milhões de indivíduos desta espécie com vista a um objetivo comum. O que somos hoje é o fruto de conceitos irreais que soubemos criar, do nosso imaginário.
Sapiens, História breve da Humanidade, Yuval Harari