Luz e Sombra, Évora
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O egoísmo é muitas vezes utilizado num sentido diferente: o do egotismo. O egotismo é o excesso de identificação consigo mesmo, a incapacidade de um individuo de perspetivar as experiências vitais por outra visão que não seja a sua. O egotista entende o mundo por um referencial próprio, ultra-valoriza a sua própria experiência e não tem capacidade de deslocar as suas referências para o outro. O egotismo não deve ser confundido com o egoísmo, que é um excesso de prioritização do eu em desrespeito pelo outro.
O egotista tem assim uma desvantagem no seu raciocínio: como se considera como a medida de todas as coisas é incapaz de perceber atitudes que são consequência de experiências de vida diferentes. O egotista tem uma empatia, a capacidade de se colocar no lugar do outro, reduzida. Vivendo fechado num conjunto de referências pessoais, o egotista não consegue na sua interação com o outro ter a maleabilidade para aceitar como válidas as referências dos outros, de abdicar para aceitar.
Há momentos em que parece que os acontecimentos nos ultrapassam, somos controlados em vez de conseguir controlar. Não somos donos do nosso tempo, a nossa vida resume-se a gerir uma sequência de reacções, quando deveria ser uma sequência de acções. É preciso ter a sabedoria de impedir que esta pressão, que pode ser extremamente violenta, assuma o controlo de nós. Temos que saber distinguir que uma coisa é o que nos acontece outra, totalmente diferente, é aquilo que deixamos que nos aconteça. Não somos o que nos acontece, somo o que fazemos com o que nos acontece. É portanto fundamental saber que a raiva não nos controle, que saibamos observar o que nos acontece e decidir o que fazer com o que sentimos. É preciso ter a sabedoria para direcionar a raiva para o destino correto, como muito bem identificou Aristóteles. É preciso saber parar, olhar antes de agir, pensar para agir em vez de reagir por instinto. É preciso saber tornar o tempo um nosso aliado, não o nosso inimigo. É preciso estarmos à altura da improbabilidade que é a nossa existência e ter a sabedoria de viver.
Qualquer um pode zangar-se - isso é fácil. Mas zangar-se com a pessoa certa, na medida certa, na hora certa, pelo motivo certo e da maneira certa - não é fácil.
Aristóteles
Simultaneamente a Humanidade é capaz dos feitos mais extraordinários e dos atos mais miseráveis. E se há questão difícil de responder será esta: vale a pena gastar tanto (dinheiro, esforço, inteligência) para saber se há água em Marte quando, no nosso planeta, tanta gente sofre por não ter acesso a água potável?
Esta dúvida pode facilmente ser generalizada: deverá alguém perder tempo a escrever um poema quando há tantas crianças sem acesso à escola? Poderá justificar-se investir na pintura de uma obra de arte quando tanta gente não tem habitação condigna? Será justo investigir na investigação da cura do cancro quanto tantos morrem por falta de acesso aos medicamentos mais básicos?
Não creio que exista uma resposta fácil, mas a minha opinião é que a questão encerra em si uma falácia.
A falácia é que a premissa de que investir em ciência ou arte é estar a retirar recursos a quem sofre não é verdadeira. Em algumas situações será assim, mas a realidade nunca pode ser simplificada ao branco e ao preto, a vida acontece em infinitas cores. Foi a arte e a ciência que permitiu ao Homem levantar a cabeça do chão e sonhar com as estrelas. E foi com o sonho que o Homem evoluiu, cultural e tecnologicamente, evolução essa que nos permitiu um nível de vida e um conforto, apesar do sofrimento existe, que seria inimaginável para os nosso antepassados.
Sem aqueles que souberam olhar para as estrelas, que investiram esforço a tantar fazer algo nunca antes feito, hoje seríamos um animal caçador recoletor a viver em cavernas e acossado por animais selvagens. Hoje, bem ou mal, somos deuses que criam novas formas de vida e que viajam no espaço. O certo é que hoje se vive melhor que no passado graças a todos aqueles que souberam levantar a cabeça do chão e sonhar com as estrelas. Se somos mais felizes, essa é outra questão.
Se a nossa inteligência tem os seus limites, que poderão ser inferiores à capacidade necessária para compreender o Universo, algo já sabemos hoje: somos capazes de criar máquinas que com uma capacidade de processamento de informação infinitamente superior à nossa. E a inteligência, natural ou artificial, não é muito mais do que a capacidade de interrelacionar e de inferir regras com base na informação disponível. Neste aspecto, estas máquinas irão certamente ultrapassar a nossa inteligência e, se nós temos limites, as máquinas criadas por nós talvez não os tenham.
Se nunca seremos capazes de perceber o Universo, talvez as nossas criações o possam conseguir. Isto se, entretanto, a criatura não destruir o criador.
É algo de verdadeiramente extraordinário os feitos da Humanidade obtidos através do conhecimento científico: que um animal, que ainda há poucas centenas de anos vivia acossado pelos elementos da Natureza, de um planeta dos arredores da Via Láctea consiga perceber como surgiu o Universo, enviar sondas para explorar planetas nos confins do sistema solar e estar criar novas espécies através de manipulação genética é algo de absolutamente maravilhoso. A ciência eleva o Homem à categoria de Deus. Mas a questão do conhecimento científico tem um aspecto intrigante: quais os nossos limites.
Estará ao alcance do cérebro humano compreender a complexidade do Universo? Seria improvável que a complexidade do mundo estivesse ao alcance da estrutura do nosso cérebro. Provavelmente andamos ainda a esgravatar na superfície mole do terreno da sabedoria mas será provável que as ferramentas que temos nos impeçam de conseguir alcançar as profundezas mais duras. Iremos um dia bater na rocha dura do conhecimento dos alicerces do Universo e nesse momento encontraremos algo que nunca estará ao nosso alcance compreender.
O nosso conhecimento é uma racionalização à medida das capacidades do nosso cérebro, não à medida da complexidade do Univeso. Tal como um pardal nunca consiguirá compreender o Teorema de Pitágoras, conseguiremos nós algum dia compreender o Universo?
Nasce um deus. Outros morrem. A verdade
Nem veio nem se foi: o Erro mudou.
Temos agora uma outra Eternidade,
e era sempre melhor o que passou.
Cega, a Ciência a inútil gleba lavra.
Louca, a Fé vive o sonho do seu culto.
Um novo deus é só uma palavra.
Não procures nem creias: tudo é oculto.
Fernando Pessoa
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