Manipulação da história
Fazer a história, seja ela de um país, de uma organização ou de uma pessoa, é uma tarefa de elevada complexidade e impossível de atingir na plenitude, não só pela necessidade, inerente ao próprio conceito de história, de ter maior grau possível de fidelidade aos acontecimentos, como pela dificuldade de se manter a objetividade. E é sobre este segundo ponto que me parece residirem os maiores obstáculos à elaboração de um relato histórico que não deturpe, ou manipule, a realidade passada.
Desde logo porque a história é feita apenas por uma parte dos envolvidos, geralmente pelos vencedores. E depois porque há uma tendência muito forte de se esquecer e selecionar os eventos, não só com o objetivo, admito que inconsciente, de mostrar o lado mais positivo, como o de tentar encontrar uma linha racional no fluxo de acontecimentos, o que obriga a uma simplificação redutora da realidade.
Encontramos exemplos diários de manipulação propositada da história, seja no sentido de obscurecer acontecimentos vergonhosos ou de nos considerarmos herdeiros de sucessos que não nos pertencem. E esta manipulação é extremamente perigosa: a construção de uma memória seletiva sobre o passado é não só um desrespeito por quem nos antecedeu como um perigoso branqueamento de acontecimentos passados, que nos poderão levar a cometer os mesmos erros. Só é possível aprender com a história se os erros não forem propositadamente esquecidos ou suavizados. E assiste-se hoje a revisionismos da história com objetivos definidos e que terão consequências graves.
O historiador Fernando Rosas, na sua aula de jubilação, debruçou-se sobre este tema. Na sua opinião este “apagão seletivo da memória”, como referiu, não é inocente e tem objetivos claros numa sociedade dominada por forças económicas poderosas que resultam de um desiquilibrio extremo na posse da riqueza, que pretendem um mercado dócil e consumista. É a utilização da “memória como farsa, como objeto de consumo, espetáculo lúdico, inocente e banalizador”, refere.
“O objetivo deste “apagão seletivo da memória” será impor novas regras de trabalho, por exemplo, como se tratasse de uma fatalidade. É mais fácil impor as 10 ou 12 horas de trabalho aos operários da indústria automóvel se se lhes apagar a memória dos rios de sangue que correram para que a classe operária europeia ou americana conquistassem a jornada de oito horas de trabalho.”, Fernando Rosas