Lições que a vida me deu, II
A vida acontece quando estamos fora da nossa zona de conforto. É o perigo que nos faz sentir verdadeiramente vivos.
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A vida acontece quando estamos fora da nossa zona de conforto. É o perigo que nos faz sentir verdadeiramente vivos.
Ser capaz de sorrir perante a catástrofe, com um desdém elegante perante as forças que sabemos que nos podem derrotar, mas nunca submeter.
A alegria: um pequeno desencanto da morte
Rui Nunes, Ofício de Vésperas
A melhor forma de se viver é saber usufruir do prazer de cada momento precioso enquanto temos vida com autoconsciência e autonomia. Algo que é certo: isso vai acabar. Saber retirar o máximo de prazer, a nível físico, intelectual e sentimental, para nós e para os outros (pois o hedonismo nunca pode ser confundido com egoísmo ou egotismo), é o único sentido da vida a que podermos ambicionar. O hedonismo como filosofia de vida, parece-me assim o ideal a perseguir. Mas saber retirar o alegria de cada minuto, sem remorsos ou nostalgia pelo passado nem ansiedade ou medo pelo futuro, não é simples. Exige-nos uma aprendizagem e um treino constante. Não é hedonista quem quer, é hedonista quem o persegue, quem o pratica e quem o pensa a cada instante. Sou, portanto, um aprendiz de hedonista ou, sendo um pouco pessimista, talvez seja mesmo um hedonista falhado.
Não sendo crente tenho que observar o sofrimento humano sem a tentação de perguntar “porquê?” ou afirmar “não é justo”. O que acontece são simplesmente coisas que acontecem, acasos de um mundo sem qualquer sentido de justiça. Mas a tentação de ter alguém a quem recorrer, que nos ajude a resolver os problemas e a explicar o sentido das coisas, é enorme. É Humano, chega-nos da noite dos tempos ancestrais, quando o Homem se separou dos animais no momento em que inventou a religião. Mas hoje sou adulto e não tenho a quem rezar: é duro. É duro, especialmente hoje. Mas é tudo o que tenho.
O grande mistério não é termos sido lançados aqui ao acaso, entre a profusão da matéria e das estrelas; é que, da nossa própria prisão, conseguimos extrair, de dentro de nós mesmos, imagens suficientemente poderosas para negar a nossa insignificância.
André Malraux
Em Junho de 2015 escrevi neste espaço num texto intulado “A diferença entre existir e não existir”:
“A improbabilidade da nossa existência, que de matéria forjada nas estrelas se tenha produzido a vida, e que essa vida tenha ganho consciência e que essa consciência tenha uma ténue compreensão do que nos rodeia é algo de totalmente esmagador. Se nos fosse possível ter a noção dessa improbabilidade, de que não somos mais que uma fugaz organização de matéria que só foi possível por motivos fortuitos e da total impermanência da nossa existência poderia provocar um sentimento de total vazio, o terror da não existência: se não somos nada, mesmo nada, então o que vale o que sou agora? A minha existência é tão insignificante, é tão tendencialmente nula, que haverá alguma diferença entre existir e não existir?”
Mantendo a concordância com o que o meu “eu” daquele dia passado escreveu (o que seria perfeitamente natural que não se verificasse, o “eu” é algo em constante mutação), tenho hoje a perspectiva de que nossa insignificância deve ser motivo para valorizar a nossa existência, não o contrário. No Tempo a diferença entre a existência e a inexistência é de facto nula, mas no agora é tudo o que temos. O agora é tudo. O consolo da nossa insignificância é que, por cruel, sem sentido e esmagadoramente insignificante que seja a nossa vida, o simples facto de existir o agora terá que nos servir como único fundamento para a sabedoria de viver.
Colocados em frente ao incompreensível e à aridez da injustiça, soubeste hoje ter a coragem de enfrentar o destino e a sabedoria de manusear a alquimia do medo para, com cruéis ingredientes, recriar algo de verdadeiramente imortal: o amor
O que provavelmente mais surpreende quem se inicia na meditação e mindfullness é adquirir a consciência de que existe uma clara distinção entre o que é a nossa voz interior, os nossos pensamentos e emoções, e o “eu”. Conhecer esta distinção entre a mente e o “eu” é fundamental para que sejamos nós a controlar a nossa mente e não o inverso. Só é possível conseguirmos caminhar na direção do silêncio interior e da calma emocional se for o “eu” a controlar a mente. Posto isto, para mim a tarefa de dominar a nossa voz interior, os desvaneios inúteis da mente que subjugam a cada instante o “eu”, é difícil e permanente. É preciso estar atento à nossa mente, pois é precisamente os momentos difíceis, quando mais precisamos do nosso eu, que a mente se torna incontrolável.
Se tivesse que escolher um único disco para representar o jazz, só poderia ser Kind of Blue de Miles. Editado em 1959, Kind of Blue foi um dos álbuns de jazz com maior sucesso de sempre. Para mim, representa a súmula do sentimento que só o jazz consegue transmitir e é um porto de abrigo seguro para dias melancólicos e introspetivos.
Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo.
Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa
(...)
Sophia de Mello Breyner Andresen
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