Ver devagar
Aquilo que consideramos que é um pensamento não é algo que possa ser definido, a complexidade do nosso cérebro estará muito para além da nossa capacidade de o entender. Mas, de uma forma simplista, podemos dizer que existem diferentes tipos de pensamento consciente: sentimentos, imagens, pensamento rápido e pensamento lento.
O pensamento rápido são as nossas reações por instinto, as decisões que fazemos sem racionalizar, de imediato ou de reação. Este é o tipo de pensamento que nos permitiu sobreviver enquanto espécie durante milhares de anos e que hoje é a base da sociedade de consumo. O bom cidadão, nesta sociedade, compra por instinto para satisfazer emoções imediatas.
O pensamento lento trata-se de todo o pensamento que exige uma racionalização, uma sequência de ideias de causa efeito. A linguagem é a estrutura inseparável do pensamento lento. É este pensamento que nos permite a religião, o inventar, o criar e que nos permitiu transformar-nos de criatura em criador.
No livro "Elogio da palavra" o seu autor, Lamberto Maffei, elabora sobre a diferença entre o olhar e o ver. O ver consiste na interpretação que cada um faz do que recebemos quando olhamos. O ver, a interpretação, para ser o mais produtiva possível recorre ao pensamento lento. O que vemos é algo de muito pessoal, que depende não só do que somos geneticamente mas também do nosso passado, do que aprendemos ao longo da vida, da nossa forma de viver e da nossa linguagem (na medida de que o pensamento lento é inseparável da linguagem). Numa frase, pode resumir-se ao seguinte: quem sabe mais vê mais.
Por este motivo é especialmente fustrante quando olhamos e não conseguimos ver. Esquecemo-nos de utilizar o pensamento lento e vemos com o pensamento rápido. É um erro comum nestes tempos. Mas é sempre uma falha nossa, muito pessoal. Quem quer crescer tem também que aprender a ver mais devagar para ver mais.
"Elogio da palavra", Lamberto Maffei, Edições 70