Distanciamento Social
O léxico que escolhemos utilizar não é inócuo. Pensamento e a linguagem são gémeos siameses, um e outro definem-se mutuamente e crescem entrelaçados. Com o início do desconfinamento (outra das palavras interessantes destes tempos) nasceu a expressão “novo normal” para caracterizar as rotinas de um regresso a uma vida “normal” mas diferente. O que seria crucial nesta fase de oportunidade (as crises são também uma oportunidade) seria construir novas regras de vida em sociedade que nos ajudem na real emergência que coloca em risco a vida desta e das próximas gerações e que esta geração tem a suprema responsabilidade de enfrentar: a emergência climática. O novo normal não pode ser igual ao antigo normal só que com máscara, álcool gel e medo, muito medo.
A expressão que marca este “novo normal” é o constante apelo ao “distanciamento social”. Ora, o distanciamento que é necessário para travar a pandemia é somente físico, não é social. O que se exige é que socialmente sejamos cada vez mais unidos. Distanciamento social significa distância sim, mas também desunião e indiferença. Não podemos olhar para o outro com medo, fugindo dele quando nos cruzamos na rua com receio da sua peçonha, entendendo a presença do outro como uma ameaça permanente sobre nós.
O que se deve temer é que, quando o distanciamento físico deixar de ser necessário, a cicatriz do distanciamento social que a pandemia está a alimentar se torne permanente. Uma sociedade egoísta e sem empatia, sendo que alguns impõem os seus medos a todos os outros. Será uma distopia pouco solidária e muito solitária, onde não se hesita em limitar liberdades, enclausurar os mais velhos e em abandonar os desfavorecidos ou os infelizes. Cada dia será viver num ambiente hostil, em território inimigo, rodeados por um veneno que, ao contrário deste vírus, é bem visível. Uma sociedade fundada sobre um medo, um medo irracional, de nada nos serve.