“A Terra Inabitável – Como vai ser a vida pós-aquecimento global” de David Wallace-Wells pretende ser um dramático grito de alerta e um forte abanão para acordar consciências perante os efeitos trágicos que as alterações climáticas irão ter sobre o nosso planeta. E, nesse sentido, é extremamente eficaz. Fica claro que as alterações climáticas não são uma questão do incómodo de suportar temperaturas uns graus mais elevadas, ou tempestades mais intensas de quando em vez, ou que apenas afectam populações de países sub-desenvolvidos e distantes de nós. São consequências que vão, e já estão, a provocar a morte de milhões de pessoas, em todas as latitudes do planeta, em países ricos ou pobres. Todos somos ou seremos vítimas, mais cedo do que imaginamos.
Os efeitos das alterações climáticas são descritos ao pormenor, sempre com base científica, e nem o facto de o que vier a acontecer ainda depender do que for a nossa ação nos próximos anos nos pode tranquilizar de alguma forma. Mesmo no improvável cenário de a reação da humanidade ser extremamente rápida e eficaz, os efeitos serão extremamente graves. O livro está fundamentamente dividido duas partes, numa primeira parte o autor percorre todos os efeitos que as alterações climáticas terão sobre as nossa vidas, todas as formas em que irão provocar mortos e sofrimento. Numa segunda parte do livro o autor tenta compreender os motivos para, perante toda a evidência cientifíca do que nos vai acontecer e as consequências esmagadoras, o estranho facto de a humanidade continuar tranquila e indiferente.
E é sobre as razões dessa indiferença, dessa estranha incapacidade de ver a tragédia à nossa frente, que é curioso refletir um pouco. Existem diferentes motivos para esta ignorância, alguns principais que passo a indicar, e um outro motivo adicional que talvez seja o mais importante.
As alterações no planeta decorrem a uma escala muito lenta
Este é provavelmente o pior erro. As alterações climáticas estão a ser catastróficas e extremamente rápidas. Isto porque é um fenómeno que se auto-alimenta provocando que o aumento de velocidade do desiquilibrio não seja linear mas exponencial. Um exemplo: a queima de combustíveis fósseis liberta dióxido de carbono que provoca efeito de estufa. O aquecimento diminui a superfície gelada nos pólos, o que diminui a reflexão da luz (o designado efeito albedo) o que provoca mais aquecimento. Este aquecimento provoca que a camada de permafrost (solo que está permanentemente congelado) que cobre as superficies árticas comece a descongelar, o que liberta enormes quantidades de metano (que é um poderoso gás de efeito de esstufa) e outros gases, o que aumenta o aquecimento. Podia-se continuar, mas é fácil entender que a noção que este tipo de alterações climáticas são lentas e cujos os efeitos demoram milénios a fazerem-se sentir pode ser extremamente errada. Depois de se iniciar um processo de desiquílibrio o ecosistema pode desmoronar-se de forma catastrófica muito rapidamente.
Homem e Natureza são coisas distintas
Foi há mais de 450 anos que Copérnico retirou o Homem do centro do Universo e há mais de 150 anos que Charles Darwin lhe retirou o estatuto de espécie priviligiada da restante vida. No entanto, o conceito de que o Homem é, na sua substância, diferente dos restantes ser vivos que connosco partilham o planeta ainda persiste. A ideia que as consequências das alterações climáticas poderá provocar a extinção em massa de inúmeras espécies, mas que o Homem vive numa bolha isolada e que não faz parte da Natureza, é obviamente incorreta. Tudo o que comemos e todo o ar que respiramos vem da Natureza e nós dependemos totalmente, tal como qualquer outro ser vivo, das condições do nosso planeta, que é muito mais que apenas a nossa casa.
A tecnologia consegue resolver todos os nossos problemas
Esta é uma ideia muito recente, mas bem enraizada. Existe o conceito que a ciência e a tecnologia conseguem sempre, mais cedo ou mais tarde, resolver os problemas. É consequência de vivermos numa civilização que endeusa a tecnologia. Neste aspecto a recente pandemia veio abalar muitas certezas quando, perante uma doença que paralisou o mundo, a ciência se viu impotente para no imediato o evitar. As alterações climáticas são um fenómeno extremamente complexo, um hiper-objecto, no termo cunhado por Timothy Morton, em que ninguém isoladamente terá a capacidade para perceber todas as suas complexidades, interligações e consequências. Pensar que a tecnologia será suficiente para salvar a humanidade é somente ingénuo.
Finalmente há um outro motivo adicional: o egoísmo. Apesar de muitos estarmos conscientes dos impactos, poucos estão dispostos a abdicar do seu conforto e da recompensa imediata do seu estilo de vida para nos salvarmos a nós e os que vierem depois de nós. Há algo que é preciso ficar claro: não é o planeta que está em causa, somos nós. E não estamos a falar dos nossos bisnetos que já não iremos conhecer, estamos a falar de nós e dos nossos filhos. O planeta Terra já superou cinco grandes eventos de extinção massiva e vai superar mais este que neste momento estamos a provocar. Quem não ira sobreviver é a Humanidade.
A Terra Inabitável, David Wallace-Wells.edição Lua de Papel