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rua do imaginário

Porque existe algo em vez do nada?

Porque existe algo em vez do nada?

rua do imaginário

03
Dez21

Devia haver um poema sobre o nosso amor

 

Devia haver um poema sobre o nosso amor

Sobre o que é tão diferente de ti e de mim: nós

Um poema sobre o nosso amor quase perfeito

Que está para além do tempo e do espaço

Que está para além do corpo e da alma,

Que está para além da palavra e do silêncio

Que antes de nós sempre existiu, em algum lugar secreto

Que depois de nós sempre irá existir, em algum lugar secreto

Que possui a essência do infinito

 

O nosso amor é quase perfeito

Só que devia haver um poema sobre o nosso amor

Porque ao nosso amor só lhe falta um poema para ser perfeito

 

 

Inspirado no poema de Eduardo Chirinos, "Fragmentos de una alabanza inconclusa"

 

10
Set21

FAQS

Acontece-te
acordares antes do teu braço acordar?
Alguma vez te ligaram para vender silêncio?
Para onde vão as palavras
assim que as soltas no ar? Retiras a crosta à ferida
para manter a
dor acesa? Por quanto mais tempo haverá
ignorantes
no poder? O amor é vermelho ou
também existe em preto? A rotina que satura é
a mesma que protege? Comprar tempo
num parquímetro
permite viver mais tempo? Se o gato te arranha
aproveitas para ler a
glicemia? Ao terminares a viagem há
uma placa com o teu nome? Se Deus fosse mulher
teria descansado ao domingo? Pensa bem: se Deus fosse
mulher teria descansado
ao domingo?


João Luís Barreto Guimarães, Movimento

 

28
Jul21

O banal não existe

A banalidade é uma obra terrivel dos nossos olhos.

 

Teixeira de Pascoaes (1877 - 1952)

 

Pascoaes, que se definiu como "homem cabisbaixo, sisudo, com uns olhos tristes e espantados", sabia bem que conseguir manter o espanto perante o mundo, saber resistir ao banal, é o um dos segredos da sabedoria de viver.

 

 

13
Jul21

O mais importante na vida

Nesta data tão especial, como em cada dia, tenho que agradecer ao Universo por criar a beleza improvável do nosso amor e a quem foi capaz de sonhar o impossível e para ele caminhar "de olhos fechados, como a fé e como o amor”.

 

O mais importante na vida

É ser-se criador – criar beleza.

 

Para isso,

É necessário pressenti-la

Aonde os nossos olhos não a virem.

 

Eu creio que sonhar o impossível

É como que ouvir uma voz de alguma coisa

Que pede existência e que nos chama de longe.

 

Sim, o mais importante na vida

É ser-se criador.

 

E para o impossível

Só devemos caminhar de olhos fechados

Como a fé e como o amor.

 

António Botto (1897-1959), "O mais importante" in Canções (1920)

 

13
Abr21

Nómadas

O amor é partilhar o Tempo, é viajar para fora de nós, é manter a alma espantada pelo mistério da existência. É assombro pela beleza do Universo. É desejo, como uma sede nunca satisfeita. É gratidão permanente pela improbabilidade de cada segundo. Tudo isto, e não só, é amor.

Mas, lebasI Knitter, o melhor é deixar para a poesia, o que somente a poesia o consegue dizer.

 

NÓMADAS

Só o amor pára o tempo (só

ele detém a voragem)

rasgámos cidades a meio

(cruzámos rios e lagos)

disponíveis para lugares com nomes

impronunciáveis. É preciso percorrer os mapas

mais ao acaso

(jamais evitar fronteiras

nunca ficar para trás)

tudo nos deve assombrar como

neve

em Abril. Só o amor pára o tempo só

nele perdura o enigma

(lançar pedras sem forma e o lago

devolver círculos).

 

João Luís Barreto Guimarães, incluído na antologia do autor “O tempo avança por sílabas” - Quetzal, 2019

 

15
Jan21

Aforismo

A ciência desenha a onda; a poesia enche-a de água.

Teixeira de Pascoaes, Aforismos, seleção e organização de Mário Cesariny, Assírio & Alvim, 1998

 

15
Out20

Ronda Transmontana

Ronda Transmontana - Capacetes_20200904_v2.jpg

 

Depois da viagem chega o momento de a reviver, de construir memórias, de ressentir emoções. Foi este o objectivo destes pequenos textos sobre esta viagem, não a podia perder nos confins misteriosos da memória. É preciso cuidar das memórias como o jardineiro cuida do seu jardim.

 

Quando se inica a viagem? O início da viagem é difuso: há a ideia que nasce, há os planos que se desenham, há a viagem imaginada. Tudo isto também é viagem. Olhar para o mapa e escolher percursos, imaginar estradas e paisagens, fazer escolhas e pesquisar, ler nomes num mapa e desejar lá ir apenas por um instinto íntimo e nada mais. Várias vezes o plano da viagem foi alterado, retocado e corrigido até que possuímos a versão final, a poucos dias de iniciar a viagem. E na viagem o plano foi somente esboço, várias vezes foi ignorado, várias vezes nos perdemos, várias vezes seguimos estradas e caminhos que não foram planeados. E ainda bem.

 

Tal como o arquétipo excede a realidade, quase sempre o plano da viagem é melhor que a viagem. Não foi o caso. A viagem excedeu a expectativa, o concreto superou a ideia. Viajámos por um mundo maravilhoso, um mundo feito de beleza, segredos, silêncios e feitiços. Foi assim também porque, como escreveu Pessoa, “quem faz a viagem é o viajante”, não são os planos, os mapas, o GPS, as estradas ou as paisagens. E neste caso quem fez a viagem foram dois corações eternamente apaixonados.

 

Das limitações do GPS

 

Há lugares

que não aparecem

nos mapas –

 

só o coração

os pode habitar

 

José Carlos Barros, A educação das crianças

 

05
Ago20

Há doenças piores que as doenças

Há doenças piores que as doenças,
Há dores que não doem, nem na alma, 
Mas que são dolorosas mais que as outras. 
Há angústias sonhadas mais reais 
Que as que a vida nos traz, há sensações 
Sentidas só com o imaginá-las 
Que são mais nossas do que a nossa vida. 
Há tanta cousa que, sem existir, 
Existe, existe demoradamente, 
E demoradamente é nossa, é nós… 
Por sobre o verdor turvo do amplo rio 
Os circunflexos brancos das gaivotas… 
Por sobre a alma o adejar inútil 
Do que não foi, nem pôde ser, e é tudo. 
 
Dá-me mais vinho, porque a vida é nada. 
 

Fernando Pessoa, 1935

 

23
Mar20

Pandemia, os números que importam

Nestes dias de pandemia todos os dias somos inundados com números, como se tudo o que existe e o que não existe fosse possível de simplificar com uma estatística, até mesmo o novo silêncio das ruas vazias da cidade. É também nestes dias que mais precisamos dos poetas, para nos recordar que existem outros números bem mais importantes.

 

Em cem pessoas,

 

sabedoras de tudo melhor —

cinquenta e duas;

 

inseguras de cada passo —

quase todo o resto;

 

prontas para ajudar,

desde que não demore muito —

quarenta e nove;

 

sempre boas,

porque não conseguem de outra forma —

quatro, talvez cinco;

 

dispostas a admirar sem inveja —

dezoito;

 

constantemente receosas

de algo ou alguém —

setenta e sete;

 

aptas para a felicidade —

vinte e tal, quando muito;

 

individualmente inofensivas,

em grupo ameaçadoras —

mais de metade, com certeza;

 

cruéis, 

por força das circunstâncias —

é melhor não sabê-lo,

nem aproximadamente;

 

com trancas na porta depois da casa roubada —

quase tantas como

aquelas que as têm, antes da casa roubada;

 

não levando nada da vida a não ser coisas —

quarenta,

embora preferisse estar enganada;

 

agachadas, doloridas

e sem lanterna no escuro —

oitenta e três,

mais tarde ou mais cedo;

 

dignas de compaixão —

noventa e nove;

 

mortais —

cem em cem.

Número, até agora, não sujeito a alterações.

 

Wisława Szymborska, in Instante, tradução de Elżbieta Milewska e Sérgio Neves, Relógio D'Água

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