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rua do imaginário

Porque existe algo em vez do nada?

Porque existe algo em vez do nada?

rua do imaginário

15
Out20

Ronda Transmontana

Ronda Transmontana - Capacetes_20200904_v2.jpg

 

Depois da viagem chega o momento de a reviver, de construir memórias, de ressentir emoções. Foi este o objectivo destes pequenos textos sobre esta viagem, não a podia perder nos confins misteriosos da memória. É preciso cuidar das memórias como o jardineiro cuida do seu jardim.

 

Quando se inica a viagem? O início da viagem é difuso: há a ideia que nasce, há os planos que se desenham, há a viagem imaginada. Tudo isto também é viagem. Olhar para o mapa e escolher percursos, imaginar estradas e paisagens, fazer escolhas e pesquisar, ler nomes num mapa e desejar lá ir apenas por um instinto íntimo e nada mais. Várias vezes o plano da viagem foi alterado, retocado e corrigido até que possuímos a versão final, a poucos dias de iniciar a viagem. E na viagem o plano foi somente esboço, várias vezes foi ignorado, várias vezes nos perdemos, várias vezes seguimos estradas e caminhos que não foram planeados. E ainda bem.

 

Tal como o arquétipo excede a realidade, quase sempre o plano da viagem é melhor que a viagem. Não foi o caso. A viagem excedeu a expectativa, o concreto superou a ideia. Viajámos por um mundo maravilhoso, um mundo feito de beleza, segredos, silêncios e feitiços. Foi assim também porque, como escreveu Pessoa, “quem faz a viagem é o viajante”, não são os planos, os mapas, o GPS, as estradas ou as paisagens. E neste caso quem fez a viagem foram dois corações eternamente apaixonados.

 

Das limitações do GPS

 

Há lugares

que não aparecem

nos mapas –

 

só o coração

os pode habitar

 

José Carlos Barros, A educação das crianças

 

13
Out20

Estrela

O dia estava reservado para cruzar a Serra da Estrela, do seu lado este para oeste. E não podia começar melhor, com um magnifico troço de estrada, a N232 entre Belmonte e Manteigas. Após uma paragem breve em Manteigas seguimos em ritmo turístico para desfrutar as monumentais paisagens do Vale Glaciário do Zêzere, com uma agradavel paragem no Covão Da Ametade, uma antiga lagoa glaciar, com um belo bosque de bétulas e reodeado de imponentes afloramentos graníticos, aqui denominados por cântaros. É neste magnífico local que o rio Zêzere toma forma pela primeira vez, só que, infelizmente, no momento em que por lá passámos o seu leito encontrava-se totalmente seco.

 

A Serra da Estrela tem paisagens excepcionais e, com um dia de luz perfeita e temperatura amena naquelas altitudes, foi possível desfrutar plenamente destas magníficas panorâmicas. É no entanto uma zona bem mais concorrida do que os territórios desobstruídos que percorremos por estes dias. Depois de vários dias habituados a um profundo sossego, a  um quase isolamento em territórios pouco povoados, a frequência destas estradas da Estrela sente-se como um pouco excessiva.  Foi assim que, evitando a sempre confusa Torre, iniciamos de imediato a descida da vertente oposta, em direção a Seia, onde almoçámos no restaurante do Museu do Pão.

 

Restava agora a viagem até Bolfiar para a última etapa desta viagem. No dia seguinte faríamos ainda a estrada recurvada entre Bolfiar e o Luso, em jeito de despedida das inúmeras fabulosas estradas recheadas de curvas que percorremos por estes dias maravilhosos. Depois, foi o regresso a casa, de coração cheio e plenos de memórias para cuidar.

 

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Covão Da Ametade

 

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Os primeiros passos do Zêzere, que aqui se apresentava seco

 

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Vale Glaciário do Zêzere

 

09
Out20

N221

Retomamos viagem, circulando agora na fabulosa N221. O troço desta estrada entre Freixo de Espada à Cinta e Barca D’Alva é simplesmente maravilhoso, pelo traçado das curvas, pela beleza panorâmica, pelo puro prazer de viajar de mota. Parte deste troço de estrada acompanha as curvas do rio Douro, com uma vista fabulosa sobre o rio e sobre os montes selvagens do outro lado da fronteira. Foi com a sensação de ter terminado depressa demais este percurso que atravesamos, pela última vez nesta viagem, o rio Douro que foi nossa companhia intermitente nos últimos dias. Entramos em Barca D’Alva, deixando Trás-os-Montes para trás nesta viagem.

 

Devido ao facto de no dia anterior termos jantado num restaurante chamado “O Lagar” em Torre de Moncorvo veio-nos à memória uma recomendação de que em Escalhão havia um restaurante chamado “Lagar” que não podíamos deixar de experimentar se por lá passássemos. Ora, como já não estávamos longe de Escalhão, apesar de a hora para almoçar já ir bastante adiantada, decidimos passar por Barca D´Alva sem parar para ir diretos ao recomendado “Lagar” de Escalhão.

 

Assim que arrivamos a Escalhão dirigimo-nos de imediato ao restaurante mas, para  nossa surpresa, encontrava-se fechado para férias. Não só esse restaurante como também o único outro restaurante existente na localidade. A alternativa seria regressar a Barca d’Alva ou seguir para Figueira de Castelo Rodrigo para procurar quem nos servisse um almoço, mas a hora já ia adiantada e o mais certo seria que quando chegássemos a qualquer um desses destinos já os restaurantes estariam fechados para almoços. Não houve alternativa que abancar numa esplanada à beira da estrada N221, mesmo junto a mais uma imponente igreja totalmente desprocionada para o tamanho da localidade de Escalhão, e acabámos por almoçar o que por ali havia, umas sandes de queijo e umas minis.

 

Depois do petisco no Escalhão seguimos viagem, com passagem por Figueira de Castelo Rodrigo. Este foi o ponto da viagem onde a nossa rota se cruzou, pois alguns dias antes passámos neste mesmo local na nossa ida para norte. Seguimos agora em rota para sul e, apenas com uma breve paragem em Pinhel para conhecer o centro histórico e beber umas águas refrescantes, o dia terminou já junto ao sopé da Serra da Estrela, na bonita vila de Belmonte.

 

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Castelo de Belmonte

 

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Rua da antiga judiaria de Belmonte

 

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Fim de tarde com vista para a Serra da Estrela

 

08
Out20

Calçada de Alpajares

Na busca pela Calçada de Alpajares o GPS levou-nos para um caminho que não era mais que uma estreita faixa de asfalto, muito retorcido e com vistas verdadeiramente esplendorosas. Neste dia, e pela primeira vez nesta viagem, fazia um calor abrasador que vinha dar consistência ao antigo dizer de que em trás-os-montes são “nove meses de inverno e três de inferno”. Foi sobre este calor, com temperaturas a rondar os 38 graus, que continuamos obdientes às indicações do GPS por esta semi-estrada que gradualmente parecia afastar-se de qualquer sinal de civilização, adentrando-se numa paisagem remota e intocada. A certo momento avistamos uma impressionante parede de rocha que se ergue do chão de forma abrupta, imponente e insólita, que mais tarde vim a saber tratar-se de um monumento geológico conhecido como Muro de Abalona.

 

Alguns quilómetros depois a escassa faixa de alcatrão transforma-se num íngreme troço de terra batida que em breve termina num pequeno largo no topo de um  monte e daí para a frente apenas nos permite seguir a pé por um trilho que desce a encosta. O GPS continua a insistir para continuarmos, mas provavelmente esqueceu-se que estávamos de mota. 

 

Depois da desilusão inicial pela impossibilidade de prosseguir, observamos que no fundo desse vale existia algo que deveria ser a Calçada de Alpajares. Tão perto, mas tão inatingível. Tinhamos que prosseguir viagem e não podíamos fazer aquele troço a pé pela encosta, para mais com o calor terrível que se fazia sentir. Optámos que desistir de ver mais de perto a tão desejada Calçada de Alpajares, serviu-nos o consolo de a ver à distância. Fizemos meia-volta e, regressando calmamente pelo mesmo estreito caminho, fomos ao encontro de outra das estradas míticas deste país, a fabulosa N221.

 

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Caminhos que rasgam montanhas

 

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O fim da estrada para a Calçada de Alpajares

 

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A Calçada de Alpajares, vista à distância

 

06
Out20

Penedo Durão

Continuando pela estrada que nos levou à gravura do Cavalo de Mazouco, um belo troço de caminho rural que serpenteia a escassos metros da margem direita do rio Douro, chegamos à povoação de Freixo de Espada à Cinta. Aqui tivemos a oportunidade de usufruir da sombra do seu icónico freixo,  árvore com mais de 500 anos mesmo no centro da povoação, entre a igreja e o castelo, decorada com uma enorme espada pendurada no seu tronco. De acordo a lenda, o Rei D. Dinis, de passagem pela localidade, descansou junto a um freixo colocando sua espada no tronco da arvore, o que teria sido a origem do curioso nome desta vila.

 

Foi enquanto descansávamos em Freixo de Espada à Cinta que decidimos as próximas paragens: visitar o miradouro de Penedo Durão e a Calçada de Alpajares, que seria um troço de uma antiga estrada calcetada, provavelmente de origem romana.

 

Do miradouro do Penedo Durão é possivel usufruir de uma visão infinita sobre o Douro e os montes que o acompanham. Várias aves de rapina voam silenciosamente, por vezes a um nível inferior ao que nos encontramos, o que nos permite acompanhar o seu voo visto de cima. O calor que apertava e o profundo silêncio da paisagem conferiam uma beleza superior a estas paisagens selvagens e magníficas. Foi com pena que seguimos viagem e deixámos para trás aquele silêncio verdadeiramente único.

 

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A igreja,o freixo e o castelo em Freixo de Espada à Cinta

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O esplendor da vista do Penedo Durão

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Voando no silêncio

 

02
Out20

O Cavalo de Mazouco

Seguimos rumo à aldeia de Mazouco. Tínhamos lido que por lá existem gravuras rupestres, que decidmos conhecer. As gravuras ficam numa encosta íngreme junto ao atual nível da água de uma pequena enseada na foz da ribeira de Albargueira que aqui se junta com o Douro.  Pelo que li, existem naquele local vestígios de quatro figuras esculpidas na pedra de xisto mas o desgaste do tempo e a fragmentação da pedra fez com que só uma delas possa ser hoje claramente observada, É a figura de um equídeo que aparenta semelhanças com a raça Przewalsky, espécie há muito extinta por cá mas que ainda hoje cavalga nas planicies da Mongólia. Quando estas rochas foram gravadas aquele local seria bastante diferente do que hoje vemos pois o nível da água estaria 40 metros mais abaixo, dado que o atual nível de deve à existência de uma barragem a jusante do Douro. O acesso à gravura é fácil e bem sinalizado, chegando-se ao local através de uma estreita estrada rural depois de se atravessar a aldeia de Mazouco sendo apenas necessário percorrer a pé um pequeno trilho encravado na encosta até junto à linha de água. Esta figura foi o primeiro painel de gravuras rupestres a ser descoberto na zona, e foi a sua existência que originou a pesquisa que posterioriomente iria possibilitar a descoberta de muitos outros locais com gravuras rupestres que vieram mais tarde a dar origem ao Parque Arqueológico do Vale o Côa.

 

A primeira impressão que temos ao ver o desenho marcado na pedra é de uma profunda emoção. A datação deste género de gravuras rupestres não é simples nem precisa, mas sabemos que o cavalo de Mazouco terá sido gravado durante o Paleolitico Superior, seguramente há mais de 10 000 anos, sendo provavelmente bastante mais antiga. Na altura a agricultura não tinha sido inventada e o Homem vivia em pequenos grupos de caçadores-recoletores que deveriam percorrer aqueles territorios em busca de alimento. É profundamente comovente pensar que há milhares de anos, alguém que nunca saberemos quem, desenhou nestas encostas agrestes este animal, não sabemos com que intenção, não sabemos com que pensamentos, não sabemos com que estado de alma. Só o podemos imaginar. Alguém que, como nós, se questionou sobre a essência do mundo. Alguém que como nós sentiu medos e alegrias. Alguém que, através desta imagem, comunica agora connosco de forma tão poderosa.

 

O desenho é de uma beleza insuperável, simples mas rigoroso, conseguindo transmitir a sensação perfeita da fisionomia do animal e do seu movimento. Em certo sentido é profundamente moderno. Ver esta gravura, expressão artística com todo o seu esplendor, tão distante e tão próxima de nós, gera uma emoção primordial. O Cavalo de Mazouco permite prodigiosamente criar um elo de ligação com o mistério da nossa origem, da nossa verdadeira natureza, com a natureza do que é a Humanidade. É sentir que quem, há dezenas de milhares de anos, fez esta arte estava agora ali connosco a partilhar dos nossos sentimentos. O que nos recorda, o que hoje é cada vez mais premente, que temos nós também responsabilidades sobre quem vier depois de nós viver neste planeta.

 

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O Cavalo de Mazouco

 

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Vista atual do local onde foi dsenhado o Cavalo de Mazouco

 

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O esplendor da paisagem a caminho de Mazouco

 

30
Set20

Torre de Moncorvo

Depois de desfrutar, uma vez mais, das vistas assombrosas sobre este rio Douro selvagem mas tranquilo, dirigimo-nos para o nosso destino do dia, Torre de Moncorvo. No caminho fizémos somente uma breve paragem na vila de Mogadouro (e cá está outra palavra terminada no sufixo “-douro”, embora neste caso, pelo que pesquisei, parece ser obscura a origem e o significado do nome da localidade) para um momento de descanso e uma visita ao seu castelo.

 

Foi entre Mogadouro e Torre de Moncorvo que o GPS nos sugere  mais uma rota alternativa, uma estrada regional que serve a aldeia de Estevais. Por esta altura já tinhamos desistido de contrariar as sugestões do GPS e seguimos sem protestar as suas indicações, apesar de para isso irmos abandonar a excelente IC5 onde seguiamos, que certamente nos levaria num ápice ao nosso destino. Mais uma vez, a indicação revelou-se uma estrada perdida e maravilhosa, sem qualquer trânsito, imensas curvas e contra-curvas e esplendorosas paisagens sobre o planalto ondulado. Sempre um deleite para quem viaja de mota.

 

Torre de Moncorvo é uma vila com um centro histórico interessante centrado na sua majestosa igreja matriz. De novo encontramos uma igreja com uma imponência desproporcionada para a dimensão da pequena vila, algo que é comum em terras transmontanas, sinal da histórica religiosidade destes povos e de alguma competição entre localidades. Infelizmente, como nos aconteceu também noutros locais, não nos foi possível visitar a igreja por se encontrar fechada. Fora do centro histórico a vila parece ser pouco característica, com casas e prédios indiferenciados e um ordenamento algo confuso. Levou-nos algum tempo a encontrar o local onde iríamos dormir essa noite, mas depois de algumas voltas, e de termos passado nesse local várias vezes, lá o conseguimos descortinar. Nesse dia fomos jantar ao “O Lagar”, restaurante típico, bastante agradável e de boa comida. Curiosamente também não foi nada fácil de encontrar o restaurante, busca que nos fez vaguear meio perdidos nas ruas de Moncorvo em redor da igreja. Ainda não o sabiamos, mas seria esse jantar em “O Lagar” a causa indireta para no dia seguinte ficarmos sem almoço, mas isso é outra história.

 

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Castelo de Mogadouro

 

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A impressionante igreja matriz de Torre de Moncorvo

 

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Pormenor das gárgulas da igreja matriz de Moncorvo

 

25
Set20

Fraga do Puio

Quando nos aproximamos de Miranda do Douro destaca-se de imediato o edificio da Sé Catedral, verdadeiramente imponente em toda a sua grandeza. A mota ficou estacionada no Largo do Castelo (Lhargo de L Castielho em língua mirandesa) e percorremos as ruas principais da zona dentro de muralhas. Toda a zona do centro histórico se encontra impecavelmente arranjada, a maioria das ruas reservada a peões e, não fosse o calor que se fazia sentir naquela hora, o agradável passeio teria sido bastante mais demorado.

 

Resolvido o almoço seguimos para um outro miradouro, o da Fraga do Puio, Peinha de l Puio em mirandês, na aldeia de Picote, uma bonita aldeia quase dependurada nas arribas do Douro. O miradouro é fabuloso, com vista sobre um gancho do rio Douro e as suas incríveis ravinas. Nele foi construída uma plataforma sobre as falésias com chão de vidro, que inevitavelmente provoca algumas vertigens e fotos sempre espetaculares. Mas, talvez por ser um miradouro mais turistico, no momento em que lá fomos estavam vários visitantes, o que dificulta o usufruto tranquilo da vista e, talvez o mais importante, do seu silêncio.

 

A palavra “miradouro” é aqui duplamente bem aplicada, pois é precisamente a vista do rio Douro que eles nos permitem desfrutar. No entanto, ao contrário de todo o sentido que nos possa parecer ter quando estamos a desfrutar das vistas do rio Douro, a palavra não tem origem no nome do rio. A origem está no sufixo de origem latina “-douro”, ou “-doiro”, que, neste caso, significa "local destinado a determinada ação" (outros exemplos são "comedouro" ou “lavadouro”).

 

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Centro histórico de Miranda do Douro

 

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Sé Catedral

 

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Na fraga do Puio

 

 

24
Set20

São João das Arribas

A ronda transmontana tinha atingido o seu apogeu, o ponto mais a norte da viagem, e iniciávamos o rumo a sul. Ficou para trás Gimonde e o Parque Natural do Montesinho e vamos agora para um outro parque natural, o do Douro Internacional. Seguimos pela estrada nacional N218, mais uma estrada recheada de deliciosas curvas e paisagems esplenderosas. Foram tantas as estradas fantásticas que percorremos nos últimos dias que já começamos a ter dificuldade em lhes dar o devido valor, o prazer de viajar de mota é o novo normal para nós nestes territórios. Foi uma certa sensação de dose excessiva que quase nos deixa incapazes de saborear alguns destes momentos. Mas, sabendo nós que após esta viagem nos esperam meses seguidos de estradas utilitárias, de imediato nos focamos novamente no prazer daqueles momentos.

 

Seguimos para Miranda do Douro com uma breve paragem no Vimioso para um breve descanso e um café. Apesar de ter sido uma visita muito curta, Vimioso deixou boas impressões, de uma vila tranquila e bem organizada onde se destaca a sua imponente igreja matriz.

 

Quando nos vamos aproximando de Miranda do Douro, notamos de imediato as estranhas placas com o nome das localidades em duas línguas: o português e o mirandês. Estamos agora em pleno território com duas línguas oficiais e é muito interessante ver o mirandês escrito em vários locais. O mirandês é uma lingua oficial de Portugal que tem origem no asturo-leonês, ao contrário do português que tem o seu berço no galego. Ainda antes do almoço em Miranda dirigimo-nos a Aldeia Nova, Aldinuoba em língua mirandesa, para conhecer o miradouro de São João das Arribas, a poucos quilómetros de Miranda.

 

O miradouro de São João das Arribas permite-nos saborear a plenitude do que são as arribas rochosas e vales profundos por onde o Douro desliza tranquilo. É o mesmo rio Douro que uns dias antes nos tinha encantado mas agora as paisagens são totalmente diferentes. Ao contrário dos vales suaves e domados do Douro vinhateiro temos agora a natureza selvagem, pura, rugosa e intocada. Aqui o labor do Homem não se atreveu a transformar estas escarpas, que se mantêm inalteradas, esculpidas somente pela natureza e pelo tempo. E mesmo junto ao miradouro existem vestígios de um castro da idade do ferro, a recordar-nos que estas terras agrestes são povoadas, em hamonia, há muitos milhares de anos.

 

Uma vez mais é o silêncio que mais nos impressiona. Silêncio telúrico, que emana profundeza daqueles vales rasgados ao longo de milhões de anos, um silêncio avassalador que, de imediato, nos invade a alma e nos tranquiliza a mente. Para quem vive numa cidade é verdadeiramente impossível usufruir de um silêncio com esta profundidade e só quando o ouvimos compreendemos a falta que ele nos faz.

 

Pairando sobre o silêncio, enormes aves de rapina no seu voo planado, tranquilo mas predador, conferem uma beleza misteriosa a estes céus.

 

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Em terras bilingues

 

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A natureza selvagem do Douro Internacional

 

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O silêncio que se consegue ouvir

 

22
Set20

Aldeia de Dine

Após o agradável passeio matinal na tranquila e bucólica aldeia de Rio de Onor regressámos a Bragança e estacionámos a mota dentro do castelo, mesmo junto ao edificio medieval ícone da cidade, o Domus Municipalis. Almoçámos de forma excelente e tranquila num pequeno restaurante dentro das muralhas do castelo, a Tasca do Zé Tuga. Nesse momento ainda não havia qualquer plano para a tarde desse dia e foi, debruçados sobre o mapa, que reparámos numa aldeia com um nome curioso que ficava no fim da estrada N308-3, perdida em pleno Parque Natural do Montesinho. Não tinhamos qualquer informação sobre esta aldeia mas pareceu-nos ser um bom passeio, e foi assim que decidimos ir à aldeia de Dine.

 

Foi portanto uma escolha absolutamente caual que nos levou a descobrir uma das mais fantásticas estradas que percorremos por estes dias. A estrada N308-3 que termina na aldeia de Dine é plena de curvas maravilhosamente encadeadas, quase que a um ritmo musical, não demasiado lentas, com um piso em estado perfeito, sem trânsito, enfim uma estrada mais que perfeita para ser usufruída de mota. Sempre acompanhados, é claro, pelas paisagens maravilhosas do Montesinho, onde a árvore dominante é o castanheiro, árvores imponentes e belas, que nesta altura do ano se apresentam carregadas de ouriços de castanhas, muito bonitas nos seus dois tons de verde, o das folhas e o dos ouriços.

 

Chegados à aldeia de Dine, o local onde a estrada acaba, ou começa, tentámos visitar duas das atrações descritas nesta aldeia: os antigos fornos de cal e a Lorga de Dine. Assim que estacionamos a mota, num pequeno largo rodeado de casas de pedra maravilhosamente conservadas e cheias de canteiros floridos, uma senhora de idade que ia a passar inicia conversa connosco e logo nos informa que não conseguiriamos visitar o Lorga ou o seu pequeno museu, por a sua amiga que acompanha estas visitas estar hospitalizada. Tentámos ir a pé sozinhos encontrar os referidos fornos de cal, só que um engano no percurso levou-nos a percorrer um bonito trilho pedestre em pleno bosque do Montesinho. Uma vez mais, valeu a pena andarmos perdidos. Regressámos à aldeia, tomamos o caminho certo e finalmente encontramos os antigos fornos de cal, estruturas circulares de pedra  onde o calcário era transformado em cal através da calcinação, processo em que camadas alternadas de lenha e pedra de calcário eram colocadas a arder lentamente, durante vários dias, até se produzir a cal.

 

Posteriormente descobririamos que a Lorga de Dine é uma pequena gruta calcária com vestigios de ocupação humana do calcolíico e da Idade do Bronze, havendo também um pequeno centro interpretativo com alguns dos objectos recolhidos nesse local. Foi uma pena não nos ter sido possível visitar estes locais, certamente teria sido muito interessante.

 

Em Dine sentimos que estávamos no verdadeiro local onde a estrada começa, e seria impossível não recordarmos aqui o maravilhoso poema de um só verso de Mário Cesariny: “Ama como a estrada começa”.

 

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Casas na aldeia de Dine

 

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Forno de cal na paisagem do Parque Natural do Montesinho

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Castanheiros plenos de ouriços

 

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